Esta entrevista a Francisco Cazal-Ribeiro realizou-se em 1993 e foi publicada no Expresso e considero-a bastante esclarecedora.
Francisco Cazal-Ribeiro foi uma das figuras mais conhecidas do salazarismo.
Vou transcrever as partes mais interessantes da entrevista, começando pela introdução:
“Diz, peremptório: «Eu era tão salazarista que nunca poderia ser marcelista.» Mas continuou deputado no tempo de Marcello porque quis «ficar atento à evolução para cuidar da continuidade». Foi preso a seguir ao 25 de Abril, saiu do país a conselho de Galvão de Melo, e regressou em 1983. Tem agora 79 anos, mas não mudou com a idade. Assume que nunca se converterá à democracia e considera que o 25 de Abril foi «uma traição».”
EXP. - O senhor era um «ultra» do salazarismo e um deputado conhecido pelas suas posições irredutíveis...
C.R. - Sim, era um símbolo do salazarismo que era preciso abater. Assim como o Tenreiro era o símbolo da corrupção, que era preciso castigar. A mim não me abateram e ao pobre do Tenreiro, que ainda é vivo, não descobriram nada de menos lícito ou ilegal.
EXP. - Ainda hoje assume essa condição de salazarista?
C.R. - Inteiramente. Basta entrar em minha casa, como vê: desde o meu quarto, onde tenho um autógrafo de Salazar que muito me envaidece - «Ao Cazal-Ribeiro, com muita estima e a maior consideração» -, escrito nas costas de uma fotografia em que ele está a apertar a mão a Paulo VI.
EXP. - ... e defende um Estado autoritário porquê?
C.R. - Quando penso assim, penso como português e como latino. Se eu fosse sueco, era muito possível que fosse democrata.
EXP. - Porquê essa distinção? Os latinos são menos capazes do que os nórdicos?
C.R. - Eu respondo-lhe com uma pergunta: acha que a democracia é possível para estas décadas mais próximas em África?
EXP. - Não, não está. Porque há razões objectivas para essa minha dúvida que não têm nada a ver com o facto de os povos em causa serem africanos, latinos ou nórdicos. Não é uma questão de raça.
C.R. - Não sou nada racista, não sou nada contra o domínio dos negros nos seus países. O que é preciso é que eles tenham realmente quadros e que não haja os problemas étnicos, tribais e essas coisas todas.
EXP. - Já há pouco falou do Le Pen. Não considera perigosa e inaceitável a proliferação de movimentos políticos que fomentam o ódio aos estrangeiros?
C.R. - O fenómeno Le Pen é utilizado para escorraçar a direita de que eles não gostam. Leio os jornais franceses e vi as primeiras afirmações de Le Pen sobre o perigo de a França ter, daqui a 30 anos, dois terços de mestiços. Os argelinos vão para lá e fazem sete filhos, os franceses fazem um, escassamente... Mas essa teoria que ele defendeu e que foi chamada de fascista, neonazi e tudo quanto há, é a política que hoje defendem o Giscard D' Estaing ou o Chirac.
EXP. - Nem Chirac nem D'Estaing fazem da xenofobia um programa político.
C.R. - Com mais calma e com mais serenidade. Não perfilho a política do Le Pen, mas o problema que ele levanta é adoptado por outras palavras e por outras pessoas.
EXP. - Defenderia uma política do mesmo tipo, restritiva para os estrangeiros, da parte de Portugal?
C.R. - Não temos cá esse problema. Acho muito bem que se faça aquilo que se fez. Quem se quiser registar como residente em Portugal, que obedeça a determinados trâmites. O clandestino é sempre indesejável. Mas é um problema que não se põe. Mais cabo-verdiano, menos cabo-verdiano...
EXP. - Não há racismo em Portugal?
C.R. - Não.
Relembro que a entrevista foi efectuada em 1993, ou seja 19 anos depois do 25 de Abril e da independencia das colonias, e numa altura em que já existiam centenas de milhares de africanos a residir em Portugal! Ou seja em 1993 este "ultra" do regime salazarista não disse isto "para disfarçar" ou "porque temos as colonias".