sexta-feira, outubro 27, 2006

Resistência

Os mouros (berberes) saíram da Galécia ainda antes de 740 por causa da guerra contra os arabes e como se comprova nas crónicas da época logo no início do reinado do I rei das Astúrias já toda a Galécia estava livre de mouros.
Não existia na época, nem de perto nem de longe qualquer ideia de reconquista, que surgiu muitos séculos mais tarde.

Nessa época anterior à presuria de Vimara Peres em 868, os territorios da Galécia Bracarense estavam entregues a pequenos poderes locais e não existia um controle administrativo e fiscal, tal situação conduziu a um isolamento das comunidades, a uma ruralização.

Também é verdade que o vali de Africa e os chefes arabes e sírios estivam muito mais interessados no sul da península do que nas selvagens montanhas do noroeste, habitadas por uma população hostil que não permitia aos muçulmanos sequer pretender instalar aqui um sistema fiscal e administrativo minimamente eficaz, na Galécia até a débil presença militar dos berberes desapareceu por completo em 739.

É um facto comprovado por crónicas cristãs e arabes, em 739 as guarnições berberes da Galecia revoltaram-se contra os arabes e os sírios precisamente por estarem numa região hostil, abandonaram as suas fortalezas rumo ao sul e não voltaram. Isto precedeu até a vinda do primeiro rei das Astúrias Afonso I ao Porto,Chaves, Braga e Entre-os-Rios. A primeira crónica Asturiana celebrou-as como estrondosas conquistas, mas por um lado ainda bem que o fizeram, porque assim ficou perfeitamente datada e referiu também a eliminação física de todos os mouros que encontrassem por estas paragens.
A “conquista” de Afonso I contribuiu ainda mais do que os acontecimentos anteriores para desmantelar todo o sistema de administração territorial, militar e civil que porventura ainda existisse.
Levando esta crónica à letra, ela também refere que parte da nossa população emigrou para as Astúrias, para zonas já hierarquizadas pelo rei, no entanto esta emigração ocorreu principalmente no Douro Leonês e não no actual Norte de Portugal.
Abandonada pelos chefes militares e administrativos, desagregaram-se os vínculos que integravam as cidades da Galécia numa rede, aumentando ainda mais a tendência para a ruralização.

Assim, antes da presuria do Porto, entre o território efectivamente dominado pelo rei das Astúrias e o território efectivamente ocupado pelas tropas muçulmanas havia um extenso território desorganizado.
Os nossos antepassados tiveram de encontrar os seus próprios recursos para a subsistência e para a defesa.
Desprovidas dos antigos chefes, as nossas comunidades rurais desenvolveram vínculos de sociedade parental e regressaram muitas vezes a praticas arcaicas de subsistência, tendo reaparecido até antigos hábitos de depradação e de rivalidade entre os nossos povoados, a necessidade de procurar lugares mais facilmente defensáveis levou até à reocupação de velhos castros dos montes que tinham sido abandonados com a romanização.
Assim, a desagregação administrativa e a ausência de autoridades estáveis provocou o aparecimento generalizado de fenómenos de regressão, e mesmo a ressurgência de arcaicos modos de vida tribais.
É pouco conhecido entre nós, mas é necessário sublinhar a quantidade anormalmente elevada de topónimos de origem germânica em Entre Douro e Minho referidos já nos anos 30 pelo filolofo alemão Joseph Piel, que mantiveram até hoje a onomástica germânica.

Repito, a crónica de Afonso III refere o extermínio de todos os mouros encontrados a norte do Douro. Esta crónica refere também inúmeras revoltas de “galegos” e de combates situados na Galécia.
A elevada frequência destas revoltas e combates de “galegos” que se mencionam durante os reinados de Fruela I (757-768) , Afonso III, etc, mostra a efectiva resistência local a acções de ocupação de um território que tinha as suas próprias forças e no qual existiam chefes que durante dezenas de anos não dependeram de ninguém.
De resto a primeira daquelas revoltas no reinado de Fruela I atribui-se na crónica aos “gallaecie populos”.
Por outro lado a existência de potentados locais é referida por duas vezes no reinado de Ramiro I (842-850). O próprio Afonso III é privado do trono pelas tropas do conde Froila da Galiza e tem grande dificuldade em vence-lo.

Em relação aos mouros do “Portugal islâmico” correspondente aos territórios da antiga Lusitania, esses atacaram-nos novamente em 791, 808, 825, 838, 840 e 841 na maior parte das vezes como resposta às nossas pilhagens ao Gharb Al Andaluz, precisamente para evitar os constantes ataques e pilhagens aos territórios da actual Beira, al-Hakam I e ‘Abd al-Rahmān II fazem uma tentativa clara de fixar no Douro a fronteira norte definitiva do Garb al-Ândalus.

Este regresso a um estado mais arcaico na área bracarense era muito influenciado por uma minoria de guerreiros germânicos , depois destes terem assimilado muitos elementos da cultura indígena e de se terem aliado, pelo sangue, à população local.